Fábio Palma, CEO da OneFan – que tem investimento da SBF – diz à Bloomberg Línea que chegada à La Liga espanhola em acordo com o Osasuna pode potencializar alcance do modelo de negócios.
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Bloomberg Línea — Nos últimos anos, clubes brasileiros de futebol aderiram de forma ampla a programas de sócio-torcedor como forma de relacionamento com os fãs, com direitos de preferência na venda de ingressos para jogos como um dos principais e mais visíveis pontos de contato. Redes sociais se tornaram um canal comum de comunicação. Mas essa relação tem potencial de engajamento muito mais profundo e rentável para os clubes. É o que defende a OneFan, startup dedicada a explorar esse potencial com uso de dados e plataformas digitais e que atende dezenas de clubes no país, como Flamengo, Corinthians, São Paulo e Grêmio.
A sportstech foi fundada em 2020 pelos empreendedores Eduardo Tega, Gustavo Verginelli e FábioScripilliti por meio da Sportheca, uma “fábrica de startups”, e recebeu no começo de 2022 um investimento de R$ 10 milhões da SBF Ventures, o “braço” de venture capital do Grupo da SBF (SBFG3), dono da Centauro, por meio de bônus conversível em 30% do equity. Os demais 70% seguem com a Sportheca.
A OneFan avança neste momento com seu projeto de expansão global ao ingressar em uma das principais ligas profissionais do mundo, a La Liga espanhola, recheada de grandes clubes como Real Madrid e Barcelona. A estreia se dá com um acordo com o Osasuna, clube centenário da cidade de Pamplona que ficou em sétimo lugar na última temporada. Na atual, o time disputa também a Conference League, um dos torneios continentais europeus.
Para liderar este novo momento, a OneFan trouxe em julho um novo CEO, Fábio Palma, que era o CTO (Chief Technology Officer) da agência Africa. Ele chegou com conhecimento de causa, dado que é investidor na sportstech desde o começo das atividades, além do seu envolvimento em outros projetos, como o Distrito, considerado um dos principais hubs de inovação para startups do país.
“Há um território muito inexplorado também do ponto de vista global. Na grande maioria das vezes, clubes têm dificuldade de se relacionar com os fãs, porque se acostumaram com a relação unidirecional que acontecia apenas pela televisão ou rádio e bidirecional apenas no estádio ou onde acontecesse o evento. Hoje existe uma relação bidirecional em todos os canais”, disse Palma à Bloomberg Línea.
A OneFan desenvolveu e opera um super app que concentra o relacionamento do fã com o seu clube e faz uso de tecnologias como inteligência artificial para analisar dados de comportamento e oferecer novos formatos de interação digital e de conteúdo. Isso inclui do voto para escolher as cores do quarto uniforme – caso do Corinthians neste ano – a descontos em produtos na data de aniversário, com uso de gamificação para estimular o engajamento, sem contar o já tradicional formato de sócio-torcedor para compra de ingressos.
A tese é oferecer um ecossistema integrado de produtos e serviços por meio de um login, unificando a jornada para o fã. E, para o clube, os dados de sua torcida. Segundo o executivo, a entrada na La Liga espanhola tem o potencial de transformar o modelo de negócios da OneFan no Brasil em um case global.
O Osasuna, segundo ele, é um clube que já está em estágio mais avançado versus os seus pares ao ativar o engajamento do fã. “É muito mais fácil para o negócio ter um estádio hiper conectado, em que você pode usar uma segunda tela, pode usar a conexão para entrar no estádio, enquanto no Brasil há ainda dificuldades de infraestrutura que não são de responsabilidade do clube, mas da sociedade como um todo”, disse.
O executivo fez o paralelo com a evolução das relações de marcas com seus consumidores para apontar que os tempos de dedicação incondicional aos times estão cada vez mais superados.
“Como é que você se apropria de uma conversa sem parecer algo falso? Estamos em um universo em que principalmente a Geração Z, busca autenticidade, verdade, que você converse sobre o que está realmente acontecendo. A relação do fã com o clube exigia uma paixão e uma devoção incondicional, mas hoje sabemos que não é mais assim. O fã está mais exigente”, afirmou Palma.
O novo CEO da OneFan apontou outros desafios dos tempos atuais aos quais muitos clubes não se deram conta ou adaptaram suas estratégias, em sua avaliação.
“O torcedor, especialmente os mais novos, está mais aberto a consumir conteúdos diversos [ esportivo ou do seu clube]. Sob o prisma do share of attention, não dedica o mesmo tempo que seus pais ou avôs”, afirmou. “E não está necessariamente ligado às suas raízes físicas, como antes acontecia. Se não há conexões profundas, ele pode torcer pelo atleta ou para clubes de fora, por exemplo.”
Um estudo recém-divulgado pela Deloitte – “2023 Sports Fan Insights: The beginning of the immersive sports era” – dá a dimensão da transformação da forma de engajamento do fã de esporte.
Os autores do estudo apontam que hoje os fãs – foram entrevistados mais de 3.000 pessoas nos Estados Unidos com 14 anos ou mais de idade – estão aptos a não apenas decidir o que querem assistir mas também em que momento, por meio de qual plataforma, de que maneira e com quem querem compartilhar a experiência. Ou seja, muito além da tradicional transmissão na TV na hora do evento.
“Como nativos digitais, os fãs da Geração Z estão aproveitando a tecnologia para expandir suas comunidades e seu entusiasmo pelo esporte. Cerca da metade dos fãs da Gen Z diz que usa redes sociais, seja para ler comentários e opiniões de outros fãs ou para interagir, enquanto assiste a eventos esportivos ao vivo de sua casa”, apontou o estudo sobre algumas das preferências dos mais jovens.
Funcionalidades do streaming sob demanda (SVOD, na sigla em inglês) são buscadas pelos fãs da Geração Z, segundo o estudo. Um terço disse que gostaria de assistir a jogos sob a perspectiva do atleta – por meio de câmeras no capacete de um atleta de futebol americano, por exemplo – ou a conteúdo behind-the-scenes, como bastidores dos preparativos dos jogos.
Não por acaso, uma das séries mais populares atualmente é “Welcome to Wrexham”, que retrata o dia-a-dia – de conversas nos treinos e nos vestiários aos jogos – do tradicional clube do País de Gales que compete por divisões inferiores e que foi comprado pelos atores Ryan Reynolds e Rob McElhenney. É uma espécie de “conto de fadas” moderno com bastidores de um clube de futebol.
O sucesso da série remete de certa forma a uma das estratégias da OneFan, o de estimular o engajamento por meio de ferramentas que não dependem necessariamente dos gastos em produtos, por exemplo.
“O pertencimento gera mais pertencimento, em um ciclo virtuoso. Cada vez que o torcedor faz mais parte da estrutura e das discussões do seu time, ele se envolve mais. No ponto máximo, pode-se decidir a escalação do time. É óbvio que Isso vai depender da estratégia e do grau de maturidade de cada clube, mas hoje já oferecemos ferramentas para que isso aconteça”, definiu o executivo.
Escrito por: Marcelo Sakate
Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.
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